Suicídio de líderes: quando a morte ronda os púlpitos!

13 nov 2019

Debate sobre a saúde emocional de pastores volta à pauta depois de casos que abalaram o mundo cristão 

A notícia da morte prematura do pastor Jarrid Wilson, 30 anos, no início do mês passado, trouxe novamente (e com mais força) à tona na comunidade evangélica mundial a necessidade do debate a respeito da saúde emocional dos líderes da Igreja. Os diversos casos registrados nos EUA e no Brasil, nos últimos anos, provocaram muita comoção, um número grande de perguntas sem respostas, mas pouca discussão efetiva nas congregações e, sobretudo, ações para inibir a ocorrência de novos casos.   

Jarrid, que tirou a própria vida em setembro, era conhecido por seu trabalho em defesa justamente da saúde mental em uma mega-igreja no sul da Califórnia – a Harvest Christian Fellowship Church. Ele e sua esposa fundaram um programa chamado “Hino da Esperança”, projetado para ajudar pessoas que lidavam com depressão e pensamentos suicidas. E, apesar de toda essa aparente estrutura, não suportou o peso de angústias, e cometeu suicídio.

As causas que levaram Jarrid ao extremo, são bastante conhecidas entre líderes cristãos nos seu dia a dia: pressão, cansaço e frustrações. Alguns dados apontam que 50% dos pastores estão experimentando hoje algum nível de depressão; outros 40% vivem casamentos e famílias disfuncionais; e 60%, se pudesse, iniciariam outra atividade profissional. Além disso, estima-se que cerca de 1.500 homens e mulheres desistem mensalmente de seus ministérios.

“Não entendemos como uma causa única a responsável pelas crises, que sempre permearam os ministérios, mas que se agravaram e ficaram mais expostas em função do aumento e facilidade de comunicação”, explica o pastor Gilson Siqueira, no ministério há quase 25 anos, tendo presidido por 13 o Conselho de Pastores de Joinvile (SC) e que em 2019 mudou-se para Orlando onde é missionário da Associação Brasileira de Pastoreio de Pastores (ABPP).

Ainda de acordo com ele, o isolamento e a solidão das pastores, que têm grande dificuldade em compartilhar seus sofrimentos, sua humanidade e seus pecados, estão entre os gatilhos que, uma vez acionados, podem levar ao extremo dos suicídios. “Muitos têm medo de perder seus ministérios, sua influência e que isso também atinja sua família, rebanho e seus pares. Muitos que se expuseram foram tratados de maneira errada e até mesmo maldosa. Portanto a maioria prefere sofrer sozinha suas inadequações e isso gera um déficit emocional nos pastores, o que facilita ainda mais a culpa e o estado depressivo, pois se sentem inadequados para o ministério”, resume.

Referência em aconselhamento pastoral na comunidade e com muitos anos de experiência ministerial, Nivaldo Nassif, pastor da DNA Church, de Orlando, enfatiza que a não-confissão das dores e mazelas da alma é provocada pelo medo dos pastores em serem traídos por colegas, que contarão aos outros e em seus púlpitos sobre seus sofrimentos e tentações. “Parece que só buscamos a Deus quando descobrimos que já não há nada que possamos fazer. Aí bate o desespero! Mas, Ele (o Senhor) está no meio de nosso desespero”, ensina.

A capelã e psicóloga cristã, especializada em oferecer apoio a casais de pastores, Elica Braga Almeida, aponta ainda outro fator determinante que pode colaborar para o suicídio de pastores: a vergonha. A especialista – que exerce seu ministério nos EUA atualmente – explica existir diferenças entre a vergonha e a culpa. Por exemplo: enquanto o que se sente culpado diz ‘eu fiz algo ruim’, o que está envergonhado diz ‘eu sou ruim’. E isso muda tudo por atingir, diretamente, a identidade do ser. “Na culpa, a pessoa está ‘separada’ do ato que cometeu, enquanto que na vergonha, não”, resumiu.

Elica destaca também as motivações que levam alguém a se sentir envergonhado: erros que a pessoa cometeu contra si mesma ou contra alguém; ou algo que fizeram (ou deixaram de fazer) à ela. Entre as consequências da vergonha nas emoções humanas estão a depressão, a violência, a baixa autoestima, os vícios, os ataques de pânico e, claro, o suicídio. “Quando você pensa ser o erro que cometeu, logo você não tem mais saída”, esclarece Elica.

A presidente da Associação de Ministros Evangélicos de Orlando (AME), Rita Fernandes, também aponta a vergonha como uma das prováveis causas do suicídio de líderes, mas reforça a culpa como o outro fator preponderante para estes casos. Ainda segundo ela, a conciliação da vida pública e privada pelos pastores provoca muitos conflitos, desânimos e frustrações. 

“Entre os fatores mais preponderantes, no meu ponto de vista, culpa e vergonha estão entre os principais na vida de um pastor. O mundo, a religião e até mesmo os familiares cobram demais dos pastores. Temos de lidar quase que diariamente com críticas e pressões a nosso respeito, do ministério e da família”, aponta a pastora, destacando ainda o peso da solidão na vida de muitos ministros.

“Nós, pastores, muitas vezes somos solitários em nossas dores porque compartilhá-las é vergonhoso e pode gerar incompreensão”, define. Entretanto, a presidente da AME ressalta que é preciso conservar a esperança em meio às lutas e dias difíceis e que a ajuda profissional nem sempre é possível e fácil de ser encontrada e, portanto, a fé deve funcionar como suporte mais do que nunca “Que Deus, em Cristo Jesus, nosso pastor por excelência, nos ajude e sustente”.

Literatura ajuda a entender o problema

Em seu livro ‘Quando a dor se torna insuportável’, o psicólogo e terapeuta familiar, Carlos “Catito” Grzybowski, assessor para Assuntos Internacionais do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), aborda o tema suicídio e parte da experiência de um dos personagens bíblicos mais conhecidos e controversos, o profeta Elias, para entender as possíveis motivações de alguém para atentar contra a própria vida. 

“É bastante preocupante o número crescente de suicídios entre ministros e ministras religiosos e a relação disso com modelos de igreja disfuncionais e com o burnout em nome de Deus”, argumenta, frisando ainda o que ele chama de ‘importante jogo disfuncional intrafamiliar’ também entre as causas primárias do problema.

A obra apresenta ainda um estudo sobre a dor que leva ao suicídio na perspectiva pastoral e sobre como podemos cuidar das pessoas que foram impactadas pela perda de uma pessoa próxima causada pelo suicídio. “Urge a necessidade de se falar abertamente sobre o tema suicídio, especialmente em uma sociedade hedonista e uma igreja muitas vezes triunfalista, onde a dor e o sofrimento são facilmente identificados com a ausência de espiritualidade”, sintetiza Catito.

Cotidiano pode se tornar ‘barril de pólvora’

O ministério cristão é uma função que tem sofrido enorme influência da cultura secular. Muitos pastores, hoje, são gerentes, psicólogos, estrategistas, coaches e, justamente por isso, estão perdendo a teologia pastoral bíblica – que ensina sermos parceiros do Espírito Santo na formação dos discípulos de Cristo. A teologia está anêmica no ministério de vários condutores do rebanho e isso também gera grande frustração espiritual.

A conquista do sucesso, por atingir números e os avanços da igreja, com uma cobrança por parte de presbitérios, conselhos e até da  membresia sobre crescimento, aparecem quase sempre em primeiro lugar nas estatísticas de pressão sobre pastores.

A família pastoral é muito cobrada e isso gera pressão nas relações dentro de casa, sobretudo, por ter que “ser o exemplo na igreja”. Isso provoca crises profundas e que não podem ser expostas pois a comunidade geralmente não entende. Um pastor com a casa em certa desordem terá um custo emocional enorme para continuar no ministério.

As comparações com outros pastores e ministérios também são fonte constante de sofrimento do pastor. Além disso, o afastamento da devoção, oração, leitura e meditação nas Escrituras para si mesmo (devocional), enfraquece a vida espiritual do pastor.

A vida material da imensa maioria dos pastores, que não tem aposentadoria e plano de saúde, é outro fator de risco. Poucos conseguem continuar estudando, comprar bons livros, participar de congressos e eventos de renovação. A preocupação com as finanças, estrutura financeira da família tem levado muitos pastores a níveis de frustração e preocupação alarmantes. 

Que essa compreensão seja mudada e que mais pessoas se tornem sensíveis à dor e ao sofrimento ao seu redor – inclusive, de seus pastores!

Ajuda disponível a pastores em Orlando

Se por um lado o diagnóstico das causas que têm levado um número cada vez maior de pastores e líderes à depressão e suicídio, por outro existe ajuda e apoio a quem está enfrentando um momento de crise – ou quer evita-lo em seu ministério. Em Orlando, por exemplo, a Aliança Brasileira do Pastoreio de Pastores (ABPP), fundada pelo Serviço de Evangelização para América Latina (Sepal), iniciou em setembro suas atividades e tem o apoio da Associação de Pastores de Orlando.

“A ABPP viabiliza encontros, treinamentos, seminários, assessorias e mentorias para pastores e líderes de igrejas na América Latina, Europa e, agora, estamos iniciando nossa caminhada nos EUA”, explica o Pr. Gilson, que deixou seu ministério local e junto com a família está dando os primeiros passos do movimento do Pastoreio de Pastores na América. 

“No Brasil estamos em praticamente todos os estados da Federação e contamos com participantes das 20 maiores denominações, com milhares de pastores envolvidos em encontros sistemáticos”, destaca. Na prática, a entidade promove encontros periódicos de pequenos grupos de cuidado, além de seminários de treinamento de desenvolvimento de ministérios em equipe.

Entre as propostas da Aliança, estão:

• Formar grupos de 4 a 6 pastores para caminhadas bíblicas de oração e compartilhamentos quinzenais, focado nas Escrituras e sua aplicação prática na vida e ministério, em grupos fechados gerando ambiente de segurança em que os participantes podem se pastorearem.
• Treinamento e mentoria para que o pastor possa reproduzir essa prática pastoral na sua liderança local, pois os líderes padecem dos mesmos perigos.
• Treinamento e assessoria para fortalecimento de discipulado, grupos pequenos e equipes de ministério para o pastor poder levar isso para sua igreja local.
• Mentoria conjugal para os pastores e cônjuges.
• Assessoraria para o ministério em transições que se fizerem necessárias.
• Disponibilidade para emergências de quaisquer naturezas para atendimento pessoal, online ou telefônico.
• Organização de retiros periódicos para imersões bíblicas e de oração (anuais).

Mais informações pelos contatos: pastorgilsiqueira@gmail.come 407 749-2338.

Por Daniel Galvão